REPÚBLICA e LAICIDADE

Excelentíssima Senhora Ministra da Educação,

Sra. Professora Doutora Maria de Lurdes Rodrigues

Gabinete do Ministério da Educação

Av. Infante Santo, 2

1350-178 Lisboa

Excelentíssima Senhora Ministra da Educação,

Sra. Professora Doutora Maria de Lurdes Rodrigues,

São três os motivos que justificam este nosso primeiro contacto:

Em primeiro lugar, queremos saudar Vossa Excelência no desempenho das funções que recentemente assumiu na condução do Ministério da Educação e manifestar os nossos votos sinceros de que obtenha o maior sucesso no desempenho daquele cargo;

Em segundo lugar, queremos apresentar a Vossa Excelência a Associação Cívica República e Laicidade, uma associação constituída por escritura pública a 27 de Janeiro de 2003 e que tem, como objectivos centrais da sua actividade, «a promoção e a defesa dos Ideais Republicanos e do Princípio da Laicidade na organização dos Estados, tendo em vista a construção de uma sociedade aberta, inclusiva e solidária» (cf. artigo 3º dos Estatutos);

Em terceiro lugar, queremos apresentar à Senhora Ministra da Educação a questão que seguidamente enunciamos.

  1. Recebemos, com frequência, comunicações quer de professores quer de pais de alunos do ensino público, reagindo negativamente à presença de crucifixos nas salas de aula e noutros locais das instalações de escolas oficiais.
  2. Recebemos, igualmente de forma recorrente, relatos revoltados de outras situações que transgridem a não confessionalidade da escola pública, nomeadamente missas e outros rituais religiosos realizados no espaço da escola, em horário escolar e envolvendo alunos.
  3. Verificamos que, na generalidade dos casos reportados, os encarregados de educação envolvidos se coíbem de tentar alterar as situações em causa, temendo ver os seus filhos constrangidos perante os colegas e o meio escolar em geral e, pelas mesmas razões, os professores que deploram estas situações também se inibem de agir.
  4. A Constituição da República Portuguesa estabelece que «as igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado (…)» [ponto 4º do artigo 41º] e especifica que «o ensino público não será confessional» e que «o Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas» [pontos 3º e 2º, respectivamente, do artigo 43º], instituindo, desse modo e com total clareza, a neutralidade confessional da escola pública.
  5. A Lei da Liberdade Religiosa (Lei nº16/2001, de 22 de Junho) determina que «o Estado não adopta qualquer religião, nem se pronuncia sobre questões religiosas» [ponto 1 do artigo 4º] e que «ninguém pode (…) ser obrigado a professar uma crença religiosa, a praticar ou a assistir a actos de culto, a receber assistência religiosa ou propaganda em matéria religiosa (…)» [alínea a) do ponto 1º do artigo 9º].
  6. A presença de símbolos religiosos (crucifixos ou outros) nas salas de aula e outros espaços de escolas públicas, tal como a realização de quaisquer cerimónias religiosas rituais nesses mesmos espaços e durante os seus horários de funcionamento lectivos, constituem, portanto, actos de imposição abusiva e ilegal de propaganda religiosa aos alunos do ensino público e constituem, nessa exacta medida, violação clara do seu direito a não serem forçados a praticar ou obrigados a assistir a actos de culto, direito esse que compete ao Estado fazer cumprir, e tanto mais quando se trata de garantir o seu cumprimento em espaços institucionais que estão sob a sua tutela directa.
  7. De modo complementar e convergente com os normativos anteriormente apontados, a Constituição da República Portuguesa estabelece também que «todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei» e que «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de (…) religião» [artigo 13º].
  8. Assim sendo, quando se sabe que a população escolar portuguesa é hoje muito diversificada, possuindo os alunos que a integram convicções religiosas e filosóficas muito variadas; quando também se reconhece que essa diversidade resulta de processos tendencialmente crescentes de secularização e de mobilidade que se constituem como uma das características marcantes das sociedades modernas que, como a sociedade portuguesa, se assumem como culturalmente abertas e inclusivas, entendemos que as situações acima descritas constituem um problema muito claro, competindo exactamente ao Estado e, mais especificamente, ao Ministério da Educação, assegurar que os símbolos e rituais da religião a que adere uma parte da população não sejam abusivamente utilizados na escola de todos.
  9. Assim sendo, pedimos-lhe portanto que reponha a legalidade, enviando uma indicação clara às escolas de todo o país de que a presença de crucifixos nas instalações escolares, assim como a realização de rituais religiosos na escola pública, constituem situações de ilegalidade a que se deve pôr cobro imediatamente. Essa indicação poderá tomar a forma, se assim o entender, de uma circular.

Sem outro assunto,

a bem da República,

com os nossos melhores cumprimentos,

Luis Manuel Mateus (Presidente da Direcção)

Ricardo Alves
(Secretário da Direcção)

acesso ao Repertório “Portugal/2005 – Laicidade e Escola Pública”: arquivo R&L (pdf)