REPÚBLICA e LAICIDADE

Carta Europeia da Laicidade (2007)

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CARTA EUROPEIA DA LAICIDADE (versão resumida)

Às instituições europeias e nacionais, aos eleitos das diversas instâncias de governo (locais, regionais, nacionais, europeias), aos meios de comunicação social e, acima de tudo, aos cidadãos europeus,

A União Europeia necessita de instituições democráticas fundadas sobre a vontade expressa do povo e que, nos seus princípios e funcionamento, se devem basear numa ética cívica e social capaz de assegurar a harmonia entre as multiplas diversidades humanas de que a Europa pode retirar a sua riqueza e vitalidade.

Aquando da sua elaboração, a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais (Nice, 2000) pouco teve em consideração as posições laicas. Hoje, no quadro do mundo globalizado em que vivemos, atendendo às perspectivas e modalidades requeridas pelo projecto de unidade europeia, o texto de uma futura Constituição deverá incorporar os princí­pios que se resumem na seguinte CARTA DA LAICIDADE:

Artigo 1º — Estrita separação do domínio público e da esfera privada

As instituições europeias, tal como os serviços publicos delas dependentes, devem assegurar a independência absoluta dos organismos oficiais da União perante as Igrejas, os cleros, e quaisquer influências confessionais ou comunitaristas. As responsabilidades administrativas, cívicas, sociais e educativas ligadas à  União Europeia não deverão ser entregues a entidades privadas.

Artigo 2º — Liberdade absoluta de consciência, de pensamento e de expressão

No seio da União Europeia, a vida cívica, política, cultural e social deverá organizar-se no respeito de todas as liberdades individuais e colectivas associadas ao interesse geral e ao bem publico.

A legislação europeia deverá garantir o direito de acreditar ou não acreditar em certezas teológicas reveladas, bem como a liberdade de as contestar.

Em todos os Estados-membros da União, no quadro da lei civil instituí­da, deverá ser garantida a liberdade absoluta de expressão, de criação artí­stica e de investigação científica.

Artigo 3º— Igualdade e unicidade dos direitos

Qualquer indiví­duo, seja qual for o seu sexo, deve ter o direito e o dever de participar, em igualdade de direitos, na vida cí­vica, social e cultural : a lei comum europeia não deverá conter nenhuma limitação, nenhum privilégio resultante de particularismos confessionais, étnicos ou comunitários. O direito à diferença deverá ser exercido no respeito pela lei, e nunca poderá levar à diferença de direitos.

As disposições respeitantes ao estatuto da criança deverão ter em conta o seu futuro estado de cidadão livre e deverão protegê-la de todo e qualquer constrangimento mental ou físico imposto sob pretextos religiosos ou comunitários.

Artigo 4º — Tolerância mútua

As instituições europeias deverão incitar à tolerância mutua e ao respeito pelas opiniões e pelas diferenças étnico-culturais, na medida em que estas respeitem as disposições legais e democráticas que organizam a vida colectiva.

Elas devem recusar todo o laxismo perante as forças racistas e segregacionistas, quer seja no plano polí­tico, quer seja no quadro da vida social.

Artigo 5º — Primado do interesse geral; recusa de todo o pensamento único

A legislação e as instituições europeias deverão dar prioridade absoluta ao interesse geral, sem nunca legalizar ou permitir a instauração de privilégios particulares, de categoria ou de classe, nem se submeterem às reivindicações de grupos de pressão com vista à obtenção de vantagens abusivas.

Nesse espí­rito, a polí­tica económica, social e cultural da União nunca se deverá deixar submeter a um pensamento único ou dominante em benefí­cio de castas privilegiadas.

Artigo 6º — Solidariedade entre povos

As instituições e os organismos europeus deverão incitar os governos nacionais e os organismos publicos e privados a suscitar práticas solidárias entre povos, Estados e categorias sociais, designadamente nos planos mutualistas, cooperativos, sindicais, associativos, por mais diferenciados que possam ser esses estados do ponto de vista dos seus níveis e sistemas económicos, sociais e culturais.

Artigo 7º — Emancipar o cidadão dos constrangimentos comunitaristas

Nos domínios das suas competências, as autoridades eleitas das instituições europeias, bem como as que delas dependem, deverão evitar fundar as suas acções e as suas políticas em concepções cujo modo de aplicação constitua um entorse ou uma limitação aos valores constitutivos do humanismo laico e das suas modalidades práticas.

Em todas as situações, elas deverão considerar o indivíduo-cidadão como o elemento fundamental da vida cí­vica e social no seio da União.

Artigo 8º — Livre difusão e expansão dos valores laicos

O Humanismo laico, fundado no respeito por todas as crenças e opiniões, nos direitos individuais e colectivos, nas liberdades fundamentais e sempre assente em leis democráticas, deverá ser estritamente respeitado pelas autoridades e instituições europeias, a quem também deverá caber facilitar a sua promoção e difusão, tendo em vista o interesse geral e a coesão social.

Artigo 9º— A laicidade, garante da paz civil e da harmonia social na Europa

Todos os espíritos amantes da liberdade, da tolerância, da independência e da justiça podem aceitar os valores filosóficos, éticos, morais, sociais e cí­vicos que fundam o humanismo laico : existe, pois, uma vocação universalista, tendo em conta as soluções positivas e oportunas que ele propõe para inumeros problemas sociais e cí­vicos que se colocam à maioria dos países da Europa.

Artigo 10º — Pela emergência de uma cidadania laica europeia

A existência de uma vasta comunidade de interesses entre os indiví­duos e os povos, a necessidade de uma sólida coesão perante ameaças comuns, a associação possí­vel das heranças culturais e cí­vicas, a vontade de pôr em prática os mesmos valores de vida comum, constituem motivos poderosos para fazer emergir uma cidadania europeia. Esta, sem se substituir ao legí­timo sentimento nacional, deverá ligar os povos e as opiniões publicas num apego partilhado ao devir comum e numa perspectiva de cooperação internacional pacífica, impregnada de valores laicos.