REPÚBLICA e LAICIDADE

Carta ao Primeiro de Janeiro

Publicou o Primeiro de Janeiro, na sua edição de 19/9/2004, um artigo de opinião do cidadão António Marcelino que impõe alguns esclarecimentos e reparos.

Cumpre-me esclarecer que a Associação Republica e Laicidade (ARL) existe legalmente há mais de um ano e que, praticando a laicidade internamente, não exige dos seus associados opção filosófico-religiosa alguma, seja ela o ateísmo, o catolicismo ou outra qualquer. Não é portanto uma associação de ateus, embora uma delegação da ARL, preocupada com a discriminação grave a que os ateus continuam sujeitos, tenha participado no encontro de ateus realizado em Lisboa no dia 4/9, onde foi discutida a criação de uma associação ateísta.

No Censo português de 2001 declararam-se sem religião 342 987 pessoas. Estes cidadãos gozam dos mesmos direitos de liberdade de associação e de expressão que permitem às igrejas e comunidades religiosas a sua liberdade religiosa –só inteiramente legítima se sujeita a leis comuns a todos. A laicidade, para além de implicar a separação do Estado das igrejas e comunidades religiosas, realiza-se inteiramente na clara separação jurídica da esfera privada –onde se exerce a liberdade individual de adesão a uma convicção e a liberdade colectiva de associação– e da esfera publica –onde o Estado se deve assumir totalmente incompetente em matéria de religião e de convicção e impedir a apropriação do espaço publico por qualquer grupo confessional ou filosófico. Justamente por defender que ninguém vale menos por ter ou não ter fé, a ARL defende a liberdade de criação e actuação de grupos de convicção e opõe-se à Concordata (e à Lei da Liberdade Religiosa), pois esta diferencia os direitos dos cidadãos católicos penalizando inevitavelmente os não católicos, nomeadamente ao garantir o ensino da religião católica nas escolas publicas, ao isentar os sacerdotes da obrigação de ser jurado e de depôr em tribunal, ou ao estipular um regime distinto para instituições como a Universidade Católica. A Concordata é tanto mais grave quanto, ao ser aprovada como um tratado internacional, retira ao controlo democrático as regras que se aplicam à Igreja Católica. Desejável seria portanto que a Assembleia da Republica se abstivesse de aprovar a nova Concordata e revogasse a velha (assim como a Lei da Liberdade Religiosa), reforçando assim, sem discriminações nem privilégios, a plena igualdade de todos os cidadãos .

Ricardo Gaio Alves (Secretário da Direcção)

20 de Setembro de 2004 (Data de envio ao Primeiro de Janeiro)