Posição da associação R&L
sobre a LEI DA LIBERDADE RELIGIOSA e a COMISSÃ?O DA LIBERDADE RELIGIOSA
Na Associação CÃvica Republica e Laicidade, assumimos e mantivemos, desde sempre, fundadas reservas quanto à existência, no quadro jurÃdico português, de uma Lei da Liberdade Religiosa (a Lei nº16/2001), assim como, a outro nÃvel, sempre discordámos da existência de uma Comissão da Liberdade Religiosa, tal como aquela que essa lei veio institucionalizar no espaço político nacional.
Na verdade – e em moldes resumidos – , entendemos que:
A Lei da Liberdade Religiosa, ao instituir um direito positivo de «liberdade de religião», menospreza os direitos à «liberdade de pensamento» e à «liberdade de consciência» igualmente envolvidos no princÃpio que se expressa no Artigo 18º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1) e, ao fazê-lo, remete as diferentes atitudes de descrença e de anti-crença religiosa para uma espécie de «limbo» jurÃdico, para uma zona marginal de mera «tolerância» legal, fazendo com que, paradoxalmente, a liberdade de não ter uma religião ou a liberdade de antagonizar uma atitude religiosa decorramâ?¦ doexercício negativo da liberdade de ter uma religião!
Tal como acabou por ser aprovada pela Assembleia da Republica – sob fortÃssima (e escandalosa) pressão política das instâncias portuguesas da Igreja Católica Romana, recorda-se – a Lei da Liberdade Religiosa não se aplica aos católicos portugueses (cf.: Artigo 58º) que, no trato com o Estado, passaram a reger-se por uma lei própria, habilmente colocada acima do controle democrático parlamentar: a Concordata estabelecida, como tratado internacional, entre o Estado Português e a Santa Sé. Com a Lei da Liberdade Religiosa a Republica Portuguesa deixou, pois, de reconhecer republicanamente todos os cidadãos que incorpora em perfeita e estrita igualdade perante si.
O princÃpio basilar da laicidade do Estado integralmente assegurado deveria originar a assumpção de uma absoluta neutralidade – de uma total incompetência, mesmo – desse mesmo Estado perante todas e quaisquer matérias de convicção (religiosa ou outra) e, naturalmente, perante toda e qualquer agremiação confessional, com que deveria, aliás, tratar de modo perfeitamente idêntico ao utilizado no trato com qualquer outra legÃtima associação de cidadãos .
Tal não acontece, contudo, quando se cria uma Comissão de Liberdade Religiosa independente e consultiva mas oficialmente nomeada e mantida com o objectivo de coadjuvar o Estado ( – os serviços e demais entidades publicas – ) no seu relacionamento com as Confissões Religiosas e, designadamente, encarregada de – emitir parecer sobre os projectos de acordos entre igrejas ou comunidades religiosas e o Estado – , – emitir parecer sobre a radicação no PaÃs de igrejas ou comunidades religiosas – , – emitir parecer sobre a composição da Comissão do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas – e a – emitir parecer sobre inscrição de igrejas ou comunidades religiosas que forem requeridos pelo serviço do registo das pessoas colectivas religiosas – , bem como ao incumbi-la ainda de – estudar a evolução dos movimentos religiosos em Portugal e, em especial, [de] reunir e manter actualizada a informação sobre novos movimentos religiosos, fornecer a informação cientÃfica e estatÃstica necessária aos serviços, instituições e pessoas interessadas e [de] publicar um relatório anual sobre a matéria – (2).
A situação entretanto criada, quer com a Lei da Liberdade Religiosa, quer com a Comissão da Liberdade Religiosa por ela instituÃda, é ainda substancialmente agravada com o facto de ela vir institucionalizar uma manifesta desigualdade de tratamento entre as diferentes confissões religiosas existentes em Portugal, designadamente ao conferir a algumas delas – e, na prática, muito concretamente, à Igreja Católica Romana portuguesa – a possibilidade de recomendar ou negar ao Estado o reconhecimento oficial de outras confissões religiosas.
Na verdade, em Portugal, em termos práticos, que «pluralismo», que «neutralidade» se poderá esperar de uma comissão que é composta por – um Presidente, dois membros designados pela Conferência Episcopal Portuguesa e três membros designados pelo membro do Governo competente na área da Justiça de entre as pessoas indicadas pelas igrejas ou comunidades religiosas não católicas radicadas no PaÃs e pelas federações em que as mesmas se integrem (…) a que se acrescentam cinco pessoas de reconhecida competência cientÃfica nas áreas relativas à s funções da Comissão designadas pelo membro do Governo competente na área da Justiça, de modo a assegurar o pluralismo e a neutralidade do Estado em matéria religiosa – ?
Algumas questões muito concretas:
Em termos de «pluralismo» e «neutralidade», qual o sentido da presença de dois (2) membros da Igreja Católica Romana portuguesa numa comissão que visa regular precisamente o trato do Estado comâ?¦ as Confissões e/ou Comunidades Religiosas não católicas estabelecidas no PaÃs? (cf.: Artigo 58º da Lei nº16/2001 que exclui os católicos portugueses do seu universo de aplicação)
Em termos de «pluralismo» e «neutralidade», que sentido terá o facto de, entre todas as Confissões e/ou Comunidades Religiosas estabelecidas no PaÃs, só a Igreja Católica Romana, e mesmo só ela, ter garantida uma presença permanente – e, para mais, com dois representantes! – na Comissão da Liberdade Religiosa?
Em termos de «pluralismo» e «neutralidade», que sentido terá o facto de competir ao Governo escolher e designar os – três membros – que, – de entre as pessoas indicadas pelas igrejas ou comunidades religiosas não católicas radicadas no PaÃs e pelas federações em que as mesmas se integrem – , integram a Comissão da Liberdade Religiosa e de, diferentemente, ser a Conferência Episcopal portuguesa a designar os seus dois representantes nessa instância política?
Em termos de «pluralismo» e «neutralidade», quais os critérios que presidem à escolha dos – três membros – a designar pelo Governo – de entre as pessoas indicadas pelas igrejas ou comunidades religiosas não católicas radicadas no PaÃs e pelas federações em que as mesmas se integrem – ? – de notar que a representatividade confessional e política de um membro de uma dada Confissão e/ou Comunidade Religiosa não é, por razões óbvias, fácil ou linearmente extensÃvel a qualquer outra Confissão e/ou Comunidade Religiosa. (por exemplo: em qualquer instância confessional/política, como poderá um judeu representar um muçulmano ou vice-versa?)
Em termos de «pluralismo» e «neutralidade», quais os critérios que presidem à escolha das – cinco pessoas de reconhecida competência cientÃfica nas áreas relativas à s funções da Comissão – ? Que garantias existem de que, convenientemente dissimulados, eles não venham a constituir outros tantos representantes da mesma – e, por regra, omnipresente na vida política nacional – Igreja Católica Romana portuguesa?
Luis M. Mateus
(1) O Artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem ao estabelecer que – toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião (â?¦) – , por essa ordem, estará até, porventura, a sugerir uma certa anterioridade dos dois primeiros direitos sobre o terceiro, ou seja, a assumir a liberdade de pensamento e de consciência como sendo subjacentes à liberdade de religião.
(2) Citações da Lei da Liberdade Religiosa (Lei nº16/2001).