REPÚBLICA e LAICIDADE

LAICISMO e LAICIDADE

LAICISMO e LAICIDADE

Laicismo e Laicidade são palavras/conceitos que derivam da expressão grega clássica «laos» (adj: «laikos»), expressão que designava o povo em sentido lato, tão abrangente ou tão universal quanto possí­vel. O termo «laos» referia-se, portanto, à entidade população, ao povo todo, a toda a gente, sem excepção alguma.

Da mesma expressão grega «laos»/«laikos» derivou igualmente, mas passando pelo latim, a palavra portuguesa leigo com o significado de não-clérigo, termo que gera frequentemente problemas, ao ser, acidental ou deliberadamente, confundido com a actual expressão laico, que tanto pode servir para designar um adepto ou um militante do laicismo como para adjectivar essa sua postura ou uma sua acção.

Os mesmos gregos do período clássico utilizavam também a palavra «ethnos» (adj: «ethnikos») com semelhante significado de povo mas entendido em sentido estrito, identitário e comunitarista, implicando a relevância de um qualquer atributo partilhado. O termo «ethnos» servia, então, para designar, por exemplo, os atenienses, os espartanos, os gregos, etc. e deu origem à palavra portuguesa etnia (adj: étnico) que hoje serve para designar conjuntos humanos social e culturalmente marcados por uma qualquer identidade comum e marcante, por exemplo: os portugueses, os ciganos, os europeus e, por uma extensão moderna do conceito, quaisquer agrupamentos sociais identitários – grupos de pertença, comunidades confessionais, etc. – dentro de uma dada sociedade, por exemplo: os benfiquistas, os católicos, os alentejanos, os fumadores, os lisboetas, …, etc.

Laicismo designa, pois, um princípio, uma ideologia de matriz claramente humanista que, ao valorizar as dimensões mais universais do ser humano, entendido na sua individualidade plural, tem um sentido contrário ao etnicismo ou, melhor, aos etnicismos – regionalismos, nacionalismos, etc. – que, acima de tudo, valorizam as diferenças e os particularismos por que se podem afirmar os diferentes grupos humanos.

Laicidade designa os diferentes modos concretos de esse princípio ser levado à prática e opõe-se à etnicidade que releva muito especialmente as diferenças e as identidades de grupo.

O laicismo e a laicidade almejam, portanto – ou seja, por definição etimológica e histórica dos termos –, a construção de uma sociedade em que um qualquer grupo social de aspiração dominante, tenha ele a matriz étnica, que tiver (histórica, rácica, religiosa, linguística, estética, económica, etc.), se não possa impor, autoritária e totalitariamente, autocraticamente, aos demais elementos que a integram; uma sociedade onde se constitua um espaço publico que seja efectivamente pertença de todos os indivíduos que nela convivem, quer os que nela nasceram, quer os que a ela entretanto se arrimaram, sem excepção, todos eles isentos de constrangimentos autoritários de tipo identitário; uma sociedade livre, aberta e inclusiva, portanto.

Numa tal sociedade, o Estado, enquanto entidade política que assume e gere o contrato social estabelecido pelos indivíduos que a constituem, tem um papel fundamental na garantia de que esse espaço publico permanece neutro, ou seja, isento de marcas identitárias particulares, e que se mantém disponível para o uso de todos os elementos que a integram, sem excepção, assegurando, designadamente, que nenhum grupo social, tenha ele a matriz étnica que tiver (histórica, rácica, religiosa, linguística, estética, económica, etc.), dele se possa apropriar, em moldes exclusivos e permanentes.

Para cumprir esse objectivo, o Estado laico tem que se assumir neutro, equidistante das diversas opções social e culturalmente possíveis e, designadamente, incompetente em todas a matérias que relevam da crença e/ou da convicção – sempre individual e particular – dos indivíduos que compõem a sociedade que o estabelece e legitima, reconhecendo-lhes e assegurando-lhes, contudo e em toda a sua extensão, o direito de livre e autonomamente se organizarem e afirmarem associativamente pelas diferentes afinidades identitárias que entre si entendam fazer relevar social e culturalmente.

É precisamente devido ao sentido muito alargado que os conceitos de laicismo e laicidade hoje detêm – sentido esse que, aliás, faz deles instrumentos conceptuais muito poderosos no desenho das sociedades modernas, actuais e futuras, num mundo em rápida processo de globalização – que, na intervenção política militante da associação R&L, nos deixamos interpelar e motivar por temáticas tão diferentes como sejam a da diferença de estatuto social entre homens e mulheres, a da inclusão social de diferentes grupos minoritários (comunidades imigrantes, homossexuais, etc.), a da liberdade da praticar a eutanásia ou a IVG, a da interdição da prática de mutilações sexuais rituais identitárias em crianças (excisão e circuncisão), a da interdição de fumar tabaco em espaço publico, a da liberalização das drogas leves, etc., etc., etc.; temáticas essas que, indo muito além das questões que mais tradicionalmente interessavam aos laicistas – e que são as decorrentes das práticas religiosas clericais e totalitárias –, efectivamente relevam no processo de construção de uma qualquer sociedade laica, ou seja, de uma sociedade de todos neste nosso mundo actual em rápida mutação.

[LMM-out/2006]

acesso a: doc/R&L (pdf) e R&L/WIKI

ver outros textos sobre Laicismo e Laicidade em TEXTOS TEMÁTICOS

DESKTOP LAICISTA

(a partir de um desenho origial de Jean Effel, adaptado às cores da Republica Portuguesa)

mariana-effel-800-600-a.jpg

em 3 versões: