REPÚBLICA e LAICIDADE

Do Estado absoluto e do Estado liberal

Do Estado absoluto e do Estado liberal

«É, porém, sobre a Escola Neutra (que V. Exª diz, nem menos, só poder formar mentecaptos!) que incidem os mais vivos dos seus ataques. A Escola para V. Exª não pode ser neutra, tem que ser republicana. Oponho-me completamente a este ponto de vista. Certamente, deve a escola primária, devem certas disciplinas da secundária (ao invés do que a nossa Democracia tem feito) preparar o indivíduo, peloexercício , já na escola, do sistema electivo e representativo e por uma instrução cívica adequada, para oexercício futuro dos seus direitos de cidadão. Não, porém, incutir princípios pretendidamente incontroversos, pôr o regime fora da discussão. Pelo contrário, é preciso pôr tudo em discussão. Só assim se ensina a liberdade, o respeito da inteligência, o espírito crítico. O professor não é um sectário que tenha de formar o aluno à sua imagem e semelhança, tratando-a como cera mole onde tudo possa gravar-se. A criança é um Espírito. Há que tratá-la como em Espírito. Há que ter um infinito respeito por essa alma em formação , por esse espírito que se desenvolve e mais nos não pede que o ajudemos a caminhar com as suas próprias forças. Que tem, pois, que fazer o professor? Ajudar a criança a ser livre, intelectualmente livre, de maneira a poder formar amanhã liberrimamente a convicção que mais lhe convenha. Não se trata de impingir uma doutrina, repito, trata-se de auxiliar o desenvolvimento dum espírito, de modo a que ele possa pôr os seus problemas com inteira liberdade e resolvê-los com a mesma liberdade. A Escola que não fizer isto será republicana, como V. Exª diz, mas formará subditos, em vez de cidadãos , escravos, em vez de homens livres. Que seria duma Republica constituída por republicanos formados pelo processo que conquistou as suas calorosas simpatias? A Democracia, meu caro senhor, não se aprende na sebenta. Os republicanos que só por este método aprenderam o seu republicanismo foram sempre o jubilo de todos os Césares; sobre eles se cimentam todas as tiranias.

E fala V. Exª ainda em escola unica no sentido de proibição de todo o ensino particular! Que monstruosidade! Seria não permitir amanhã que se expusessem aos discípulos senão as ideias que tivessem a chancela do poder central do Estado, isto é, de meia duzia de figurões detentores da governação, quando não dum César!»

(Raul Proença, Seara Nova nº231, 29 de Dezembro de 1930)