REPÚBLICA e LAICIDADE

Senhor Primeiro Ministro,

Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros,

Senhor Representante Permanente de Portugal junto da União Europeia,

Senhor Comissário Europeu António Vitorino,

No momento em que o projecto de Constituição Europeia é submetido aos governos dos paí­ses da União Europeia, a Associação República e Laicidade solicita que o governo português procure manter, no preâmbulo da futura constituição, uma referência à herança europeia susceptí­vel de unir todos os cidadãos, e que evite separá-los fazendo referência a uma religião determinada.

A fórmula proposta pela Convenção, que se refere à herança cultural, religiosa e humanista da Europa, parece-nos adequada.

Por outro lado, solicitamos com insistência que seja retirado o artigo 51º, que institucionaliza um direito de ingerência das Igrejas nas instituições da União Europeia em matérias que relevam de escolhas individuais.

Os motivos principais que justificam o nosso pedido podem ser encontrados em anexo.

Pela Direcção,

Ricardo Gaio Alves (Secretáio da Direcção), Luis Mateus (Presidente da Direcção)

Lisboa, 5 de outubro de 2003

Anexo:

JUSTIFICAÇÃO DO PEDIDO PARA QUE SEJA SUPRIMIDO O ARTIGO 51º

Neutralidade das instituições

O artigo 51º garante às Igrejas contactos regulares com as instituições europeias. Não há qualquer razão para conceder às Igrejas (e às associações não confessionais, que não pediram privilégio algum) um estatuto específico e privilegiado, distinto do especificado no artigo 46º para as associações representativas da sociedade civil.

A separação das Igrejas das instituições publicas é o preceito fundador das nossas democracias. Apenas a neutralidade do Estado em relação às convicções e aos compromissos espirituais pode garantir a liberdade de consciência e de religião. Nenhuma Igreja ou grupo religioso pode pretender impôr as suas concepções ao conjunto da sociedade.

A posição das igrejas

O objectivo expresso pelos representantes das Igrejas cristãs é conseguir que a religião tome parte na discussão polí­tica.

Essas Igrejas pedem que se estabeleça um procedimento de consulta pré-legislativa através de seminários com conselheiros do Presidente da Comissão. Sessões de trabalho sobre aspectos especí­ficos dos projectos de lei seriam assim organizadas, assim como reuniões de trabalho entre o Presidente da Comissão e representantes de alto ní­vel das Igrejas.

Para tudo organizar, essas Igrejas pedem o estabelecimento de um gabinete de ligação no seio dos serviços da Comissão.

O que está em causa

São conhecidas as posições expressas por certas Igrejas sobre o aborto, a eutanásia (morte a pedido), o divórcio, a famí­lia, as pesquisas biomédicas (embriões, genética …), a igualdade entre homens e mulheres, as uniões entre homossexuais, a recusa do preservativo na luta contra a SIDA, etc…

As Igrejas têm, evidentemente, o direito de fixar regras de conduta para os seus fiéis, mas não é de todo admíssivel que as imponham a todas e a todos através da União Europeia.

Com muitas associações nossas congéneres, lutamos pelo direito das pessoas a decidirem livremente o seu modo de vida e as suas escolhas pessoais sobre questões ligadas à existência humana.

Por estas razões, solicitamos que seja retirado o artigo 51º do principal texto fundador da União Europeia de amanhã.