No encontro do Papa com figuras da cultura no CCB, gostei de ouvir a primeira parte da defesa da construção de «uma cidadania mundial fundada sobre os direitos humanos e as responsabilidades dos cidadãos, independentemente da própria origem étnica e adesão polÃtica e respeitadora das crenças religiosas». Infelizmente a última parte, que pede o respeito pelas crenças religiosas, parece indicar que, como até agora, para a Santa Sé a defesa dos direitos humanos se restringe à defesa da religião e da mensagem religiosa, em detrimento de tudo o resto. Por isso, a Santa Sé não ratificou a Declaração Universal dos Direitos do Homem nem a maioria das muitas convenções e tratados internacionais que versam sobre direitos humanos, muitas delas pelo «excessivo individualismo na forma de tratar tais direitos».
Na realidade devemos respeito aos indivÃduos e não à s crenças que professam. As crenças, como todas as ideias, não se discriminam mas as pessoas podem ser discriminadas em consequência de ideias. As ideias, todas as ideias, devem ser discutidas e contestadas. Aliás, a evolução extraordinária da Humanidade em termos de direitos humanos foi apenas possÃvel porque foram contestadas e muito discutidas ideias arreigadas durante séculos que discriminavam pessoas em função da sua etnia, género, educação, posição social, etc. Todos deverÃamos ter a máxima abertura perante todas as ideias, velhas ou novas, e o máximo rigor crÃtico na análise de todas elas.
Afirmar, como o Papa o fez aos nossos intelectuais, que «há toda uma aprendizagem a fazer quanto à forma de a Igreja estar no mundo», não indica, como alguns optimistas leram, que o Papa pretende abrir alguma janela para o mundo real ou repensar as ideias que tornam a hierarquia da Igreja completamente desfasada da sociedade. A conclusão da frase, «levando a sociedade a perceber que, proclamando a verdade, é um serviço que a Igreja presta à sociedade, abrindo horizontes novos de futuro, de grandeza e dignidade» indica que para Bento XVI é a sociedade que está errada e que a Igreja apenas precisa de aprender qual é a forma de mostrar ao Mundo que é a detentora da «verdade».
Juan Arias, o escritor e correspondente do El PaÃs no Vaticano que acompanhou João Paulo II nas suas viagens por todo o mundo, escreveu, há pouco mais de cinco anos, que «Ratzinger não pediria perdão à ciência pelas perseguições durante a Inquisição. Ele acha que é o mundo moderno que tem de pedir perdão à Igreja». Esta alocução indica que Bento XVI continua igual a Ratzinger mas se apercebeu da importância de uma boa campanha de marketing.
(Palmira F. Silva, Diário de NotÃcias online, 12 de Maio de 2010)